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segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Correio Forense - Tribunal de Exceção : A Justiça do Crédito - Direito Processual Civil

16-10-2011 21:00

Tribunal de Exceção : A Justiça do Crédito

O Estado criou para o empresariado nacional uma corte especial, que se pode denominar de Justiça do Crédito. Esse tribunal, diferentemente da Justiça comum, funciona sem morosidade, destacando-se pela celeridade; dispensa, para dizer o direito, de maiores delongas, a exemplo de instrução de processo ou do contraditório; ademais, não reclama estrutura semelhante à da Justiça comum, pois conta apenas com funcionários e com tecnologia avançada para possibilitar-lhe aplicação de pena para o consumidor, inadimplente ou não, de todo o país, em tempo real.

O empresário, único favorecido com a criação da Justiça do Crédito, não precisa de advogado para apresentar sua queixa, porque basta servir-se do próprio quadro funcional, simplesmente comunicando à corte para que seja inserido o nome deste ou daquele cidadão no rol de maus pagadores. A penalidade contra o cidadão é imediata. A comunicação é recebida pela Serasa (Centralização dos Serviços Bancários S/A) empresa privada, criada por bancos e instituições financeiras ou pelo SPC (Serviço Nacional de Proteção ao Crédito) ou CNDL (órgão da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas).

Toda a estrutura da Justiça do Crédito é sustentada fundamentalmente nesses e em órgãos semelhantes que armazenam dados cadastrais de empresas e de cidadãos, apontamentos, noticiando dívidas vencidas e não pagas, protestos de títulos, ações judiciais, cheques sem fundos, além de outras anotações, advindas de órgãos públicos e oficiais, enfim possuem todas as informações que necessitam para transmitir aos bancos, às lojas, às pequenas e grandes empresas, às lojas, às escolas, às concessionárias, etc. as penas aplicadas. Isso não evita o cometimento de frequentes enganos na negativação do nome de cidadãos que não são inadimplentes e, por vezes, nunca compraram ou nunca tiveram conta com a empresa ou com o banco fornecedor das informações negativas.

O Tribunal de Exceção manda inserir o nome do cidadão no cadastro de maus pagadores e a consequência imediata, independentemente de ser verídica ou não o apontamento, é a negação de crédito, o fechamento do mercado de trabalho para o inadimplente, assim considerado pelo empresário. Dali em diante, a pessoa que foi apenada pela Justiça do Crédito, passa por restrições de toda ordem, ficando com pretensões comerciais obstruídas, além de impossibilitada de acesso ao mercado de trabalho. Esse é princípio condenatório conferido à corte dos empresários.

E tudo isso acontece sem que seja oferecida oportunidade ao consumidor para defender-se, apesar de preceito legal garantir o contraditório, tanto em processo judicial quanto administrativo, inciso LV, art. 5º da Constituição. O mesmo Estado que criou a Justiça do Crédito também editou a Lei nº 8.078/90, Código de Defesa do Consumidor, no qual afirma ser necessária prévia consulta/notificação do inadimplente para aplicação da penalidade, art. 43, § 2º, além da Portaria nº. 5 de 27/08/2002, na qual o Ministério da Justiça reforça a determinação consumerista para considerar abusiva a cláusula que “autorize o envio do nome do consumidor e/ou seus garantes, a bancos de dados e cadastros de consumidores, sem comprovada notificação prévia”.

A comunicação, exigida pela lei e reclamada pelo consumidor, objetiva fundamentalmente oferecer melhores condições para negociação entre o credor e o devedor, além de possibilitar tempo para correção de eventuais erros. Nessa situação, como fica o correntista negativado por devolução de cheques emitidos por terceiro que serviu de documentação falsa para abrir a conta-corrente e soltar cheques em nome do correntista? Como acomodar a situação do trabalhador que perdeu o emprego, não podendo cumprir o compromisso assumido, e agora fica bloqueado de ter acesso ao mercado de trabalho, face à negativação? Enfim, como explicar a situação do consumidor que não deve, mas teve seu nome negativado, em virtude de engano cometido pela empresa?

É de se indagar: como pode ser o cidadão impedido de comprar, de contratar um serviço, de arrumar um emprego somente porque constam informações, às vezes erradas, imputando-lhe a pecha de mau pagador? Agrava-se ainda mais a situação, quando se sabe da dificuldade que o consumidor enfrenta para retirada do nome do banco de dados. É que o Tribunal de Exceção, por meio do Serasa e SPC, cria embaraços de toda natureza, alegando, por exemplo, ser mero repassador de informações oferecidas pelas empresas.

A situação ganhar maior perplexidade depois que o STJ ratificou o entendimento do Tribunal de Exceção, admitindo correta a negativação, sem comprovação de comunicação prévia, modificando assim decisões anteriores do próprio STJ e violando a compreensão sobre a matéria por parte dos tribunais, dos juízes, do Ministério Público, dos órgãos de proteção ao consumidor, da lei e do próprio governo.

Editou-se a Súmula nº 404, dispensando a notificação prévia para negativação do nome do consumidor. A Súmula foi vazada nos seguintes termos: “É dispensável o Aviso de Recebimento (AR) na carta de comunicação ao consumidor sobre a negativação de seu nome em bancos de dados e cadastros”. Esta pode ser classificada como uma das decisões mais duras praticadas contra o consumidor, no ano de 2009, exatamente pelo chamado Tribunal da Cidadania.

Autor: ANTONIO PESSOA CARDOSO

Desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia

Fonte: Correio Braziliense


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