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segunda-feira, 25 de março de 2013

Correio Forense - Traiçoeiros Embargos Infringentes - Direito Processual Civil

24-03-2013 23:00

Traiçoeiros Embargos Infringentes

O Código de Processo Civil de 1973 manteve os embargos infringentes, em que pese, já naquele tempo, questionava-se sua utilidade. Sua admissibilidade estava assentada em pontos objetivos: decisão por maioria de votos no julgamento da apelação e também da ação rescisória. Indiferente era o conteúdo do acórdão. Qualquer que fosse ele, de mérito, terminativo, anulando a decisão, convertendo o julgamento em diligência, provendo ou improvendo o recurso, desde que houvesse divergência entre os integrantes do colegiado, o recurso poderia ser interposto pelo vencido, que tivesse um voto a seu favor.

Apesar de nunca ter tomado muito tempo e espaço da Justiça, pois os julgadores cediam convicções para evitar novo recurso, o fato é que, sempre que se discutia a demora do Judiciário, eram lembrados os pobres infringentes, pugnando-se por sua extinção. Apesar disso, sobreviveram eles imunes durante quase trinta anos, até a edição da Lei nº 10.352/01, que não o ousou banir, mas mexeu em sua estrutura, para passar a admiti-lo, no que tange à apelação, somente "quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito". Desapareceu a objetividade de antes (acórdão por maioria na apelação) e passou-se a pensar no conteúdo do julgado.

A redação não primou pela precisão. À primeira vista, pede-se um voto vencido de manutenção da sentença de mérito e dois em sentido contrário, que poderiam ou não ser também de mérito, de vez que se reclama acórdão que reforme sentença de mérito, preocupando-se com a natureza da sentença, ignorando-se a do acórdão.

Barbosa Moreira refere-se a Cândido Dinamarco para negar, pela redação da lei, que o critério deveria aplicar-se ao acórdão e não à sentença, citando, inclusive, a possibilidade legal, decorrente do § 3º do art. 515, de prover-se recurso contra sentença terminativa, julgando-se o mérito, desde logo. Pontificou na norma, segundo ele, a necessidade de dupla conformidade, entre sentença e voto vencido, para admitir-se o que foi preconizado por Dinamarco (cf. Comentários ao Código de Processo Civil. Forense, 15. ed., 2009, n. 284, p. 525).

Todavia, apesar do texto legal, cuja literalidade é corretamente interpretada por Barbosa Moreira, prevalece o entendimento de que o acórdão é que tem que ser de mérito. Fredie Didier Junior explicita a necessidade de o acórdão também ser de mérito, pois o terminativo não ficaria sujeito à coisa julgada, podendo ser renovada a demanda e daí, segundo ele, não se fazer possível o recurso em tela (Curso de Direito Processual Civil. Podivm, v. 3. 7. ed., 2009, p. 225). Arruda Alvim despreza a sentença e exige com vigor o acórdão de mérito (cf. Comentários ao Código de Processo Civil. GZ, 2012, p. 879).

Essa divergência é preocupante, não pelos infringentes em si, mas pelo fato de o cabimento do especial e do extraordinário somente ser possível quando esgotada a instância ordinária, falando-se em decisão única ou última de tribunal estadual ou federal. Desse modo, se a hipótese comportar embargos infringentes, o especial e o extraordinário somente são possíveis depois do julgamento dos embargos. Em contrapartida, se os infringentes forem interpostos indevidamente, a temática dos recursos futuros ficará restrita à pertinência ou não do recurso mal oferecido, de modo que pode restar sepultada a questão de fundo que se esperava fosse resolvida.

Coincidentemente - ou seria melhor dizer preocupantemente? -, a edição nº 116 da Revista Dialética de Direito Processualpublica, na mesma página (212), duas ementas do Superior Tribunal de Justiça sobre embargos infringentes: numa, está dito que "o julgamento de mérito é condição de cabimento dos embargos infringentes, conforme literalidade do art. 530 do CPC, devendo o acórdão que se pretende impugnar ser também de mérito"; na outra, afirma-se que "cabem embargos infringentes contra acórdão que, por maioria, acolhe preliminar de ilegitimidade passiva e reforma sentença para extinguir a ação com fulcro no art. 267, VI, do CPC".

No primeiro acórdão (AgRg no REsp 1.019.398, Rel. Luís Felipe Salomão, julgado em 21.08.2012), cuidou-se de decisão proferida em

embargos de declaração, completando o acórdão embargado, no qual se apreciou agravo retido, que extinguiu execução. A decisão do retido integra o acórdão da apelação, tanto que a Súmula nº 255 do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de admitir os infringentes contra o nele decidido, desde que se tenha questão de mérito. No caso, o especial foi improvido, dizendo-se que somente são cabíveis os infringentes diante de acórdão de mérito, citando, nesse sentido, outros precedentes e concluindo: "o julgamento de mérito é condição de cabimento do referido recurso, conforme literalidade do art. 530 do CPC, devendo o acórdão que se pretende impugnar também ser de mérito".

Sobre o segundo acórdão (REsp 1.157.383, Rel. Nancy Andrighi, julgado em 14.08.2012) já se postou nota em nosso blog(jurisdrops.com.br - postagem em 26.09.2012), dizendo estar-se diante de uma redefinição do conceito de julgamento de mérito, mas destacando os riscos em que esse entendimento importa. Trata-se de ação procedente em primeiro grau, mas que, no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, recebeu decisão, por maioria de votos, reconhecendo a ilegitimidade do recorrente, excluindo-o processo. Foram interpostos os infringentes, mas não admitidos, sobrevindo o especial, que acabou sendo provido.

Reconheceu o julgado a aparente intenção do legislador de admitir os infringentes somente contra acórdão de mérito e lembrou que as decisões terminativas (citou o art. 268 do CPC) não impedem a renovação da ação. Todavia, notou que a decisão sobre as condições da ação, "não obstante a matéria seja formalmente considerada processual, ela na prática pode envolver a análise do próprio mérito da controvérsia", adotando, destarte, a chamada teoria da asserção para, então, apoiado em José Roberto Dos Santos Bedaque, firmar que "se o juiz realizar cognição profunda sobre as alegações contidas na petição, após esgotados os meios probatórios, terá, na verdade, proferido juízo sobre o mérito da questão". Assim, proveu o especial para o tribunal de origem julgar os infringentes.

O confronto das duas decisões agita a temática do especial e do extraordinário, pois a interposição dos infringentes quando não cabíveis ou, então, a não dedução deles quando cabíveis tranca a porta das instâncias superiores. Dada a delicadeza do momento processual em que a questão se fere, necessários seriam elementos imunes a dúvidas para que não se criasse a loteria da admissibilidade. Já não bastasse a dificuldade do texto legal, referindo-se só à matéria da sentença, a interpretação do que seja mérito, apesar do teor dos arts. 267 e 269 do Código, ficaria na dependência de se saber se houve ou não cognição profunda, que, sem dúvida, acaba por ser expressão extremamente subjetiva, fonte de atemporal e, por isso, perigosa incerteza.

 

Autor: Autor: FORNACIARI JÚNIOR, Clito
Fonte: Correio Braziliense


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